LIVROS | Para onde vão os guarda-chuvas, Afonso Cruz (PARTE I)

Com licença,


Li pela primeira vez este romance oriental no início de 2019, e por circunstâncias do momento - a vontade imensa de emergir na ficção de Afonso Cruz, depois de uma leitura do mundo, com o Jalan Jalan - voltei a pegar nele há uma semana. 

Não tenho por hábito reler livros, ainda para mais com tão pouco tempo de intervalo, mas tendo em conta a situação de isolamento social + incompatibilidade de horários para requisitar livros da BLCS + o tempo de espera das algumas, comedidas, compras online.. Isto aconteceu. E também porque falei dele recentemente com uma amiga e também porque queria muito escrever uma review deste livro e trazê-la para aqui.

Esta história passa-se provavelmente no Baluquistão (Paquistão), não é nunca dito diretamente na narrativa.
É um história com foco central numa família muçulmana. 

É um soco no estômago sobre religião, poder, raiva, ódio e amor. Sobre perda.
É sobre o equilíbrio absurdamente/ moralmente/ esteticamente desequilibrado

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Fazal Elahi é talvez a personagem que guia a história e com a qual se sente, ao longo das páginas, uma empatia crescente. Está sempre preocupado, ansioso, vive muito os seus medos. (Acho que deve ser uma analogia à preocupação que quem é pai sente desde o dia que se torna pai). É crente, mas procura alternativas, abre a porta a estranhos e põe em causa ensinamentos que nasceram com ele, fazem parte dele (o islão é como a sua pele) essa é para mim a parte mais bonita desta personagem.

Bibi é a mulher de Fazal Elahi. É mãe de Sallim. Tem cabelos pretos, longos que se soltam ao vento. É aparentemente fria. Gosta de ouvir músicas pop americanas e de outras coisas estrangeiras. Não combina com as premissas da sua religião e "envergonha" Fazal, que  caminha mais afastado dela, mas que apesar de tudo, a ama incondicionavelmente. 
"Bibi tem dois pés perfeitos, pensava Fazal Elahi, deveria andar com eles para cima, a pisar o céu, que desperdício vê-los a varrer o chão."
Desaparece após o nascimento do filho, Salim. 
Teve um caso com Dilawar: "Bibi esperou que ele se acalmasse e fez-lhe uma festa na cara. Dilawar sentiu uma ambivalência pela alma dentro, aquilo era um gesto carinhoso mas tão distante que poderia ser o vento a despentear-lhe a bochecha."

Salim aos 3 anos ainda não falava. Gosta de imitar aviões e faz apenas sons com a boca shhhhfddd hsssdfffffsss. Num dia que se matava um borrego no quintal, Salim prega uma partida a todos.

Badini é o primo mudo de Fazal Elahi, mas não foi sempre mudo. Não tem um dedo de uma mão, por um incidente com o pai, quando era criança. É um dervixe que aprendeu tudo o que sabe com o poeta Salam ud -din. Este poeta encontrou-o e protegeu. Lia-lhe, ao contrário do pai que o violentava. Depois do pai poeta adoptivo falecer, foi acolhido por Fazal Elahi. O seu maior tesouro são os Fragmentos Persas - aparecem excertos ao longo da história. (No apêndice final, estão reunidos todos os fragmentos )
Badini pode parece assustar para quem o vê, pois rapou o cabelo, pestanas, sobrancelhas. Ganha sempre os jogos de xadrez. 

Aminah é irmã de Fazal Elahi, achava que Salim era feito de horas, pois preenchia todo o seu dia. Aminah adora frutos secos e doces de amêndoa. Quer casar, se pudesse ser com o filho mais velho do general, melhor. Guarda numa caixa, em segredo, uma revista pornográfica e outras revistas americanas. 

General Ilsa Vassilyevitch Krupin peregrinou ao Irão e curou a sua paralisia, depois de comer uma cereja da árvore que nasceu do cadáver do pir Azizi. Fez riqueza do negócio da exportação dessas árvores, a partir do caroço que trouxe consigo. Teve uma relação de amizade com pai de Fazal Elahi, por quem guarda muito respeito. Acha que está acima de Deus e acha que os genes e o sangue são mais importante que o treino. Tem galos e adora participar em lutas de galo. Tem uma gaiola que não é usado pelos galos. 

Nachiketa Mudaliar é muito magrinho tem um bigode fininho. É hindu e depois de a mãe morrer, o pai expulsa-o e começa a viver na rua. Conhece Singh que o acolhe e o emprega no seu hotel. Apaixona-se, e numa primeira parte do livro, apenas reza e pede para ser feliz, sem agir e partir para a conquista. Numa segunda parte do livro, torna uma atitude inesperada, na esperança de poder casar com a sua amada.

Gunnar Helveg é um hóspede do hotel de Singh, que veio com a missão de investigar os templos dos dervixes gémeos, pois disseram-lhe que eram gémeos mas não do mesmo tempo, da mesma mãe. 

John Smith é um jornalista americano que conhece Nauman e Isa, duas crianças pedintes. Oferece um gravador ao Nauman. Mas este gravador vai parar a umas mãos muito feias "alô alô farooq". 

Isa é um rapaz cristão e americano, mas que apenas nasceu na América. Os pais foram bombardeados. Não se sabe bem a idade dele. 
Isa, depois de adotado, caminhava e criava pássaros atrás de si (guardava sempre pedaços de pão).
Conseguiu uma bola autografada e um taco. Depois trocou-os, assim como a sua Bíblia, por sapatos de salto alto e perfume importado.
O dia em que se sentiu mais amado foi quando teve escarlatina.


O final desta história é um não final.
Esta história é negra e linda. 

Classificação: 5/5
(Continua na parte II)

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