LIVROS | POESIA DE FERNANDO PESSOA, ADOLFO CASAIS MONTEIRO (PARTE II)

Almada Negreiros (1893-1970). Ricardo Reis (pormenor). 1958. Mural Fac. Letras de Lisboa

Ricardo Reis

13- PENSAR
Para quê complicar inutilmente,
Pensando, o que impensado existe? Nascem
        Ervas sem razão dada —
Para elas olhos, não razões, tenhamos.
Como através de um rio as contemplemos.

24 - REALIDADE
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
25 - SONHO 
Se recordo quem fui, outrem me vejo,
E o passado é o presente na lembrança.
        Quem fui é alguém que amo
        Porém somente em sonho.
E a saudade que me aflige a mente
Não é de mim nem do passado visto,
        Senão de quem habito
        Por trás dos olhos cegos.
Nada, senão o instante, me conhece.
Minha mesma lembrança é nada, e sinto
        Que quem sou e quem fui
        São sonhos diferentes.

Comentários